Produtores automatizam beneficiamento e armazenagem de frutas frescas

As exportações brasileiras de maçã, mamão, manga, melão e uva totalizaram US$ 562 milhões em 2008. Os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior também revelam que as frutas e hortaliças já representam 26% do valor da produção agrícola nacional, que soma R$ 98 bilhões.

Portanto, já somos o terceiro maior pomar do planeta, ficando atrás apenas da China e da Índia quando o assunto é fruticultura, realidade que representa um grande mercado para as empresas do Frio que desenvolvem tecnologias voltadas às boas práticas de pós-colheita, indispensáveis à manutenção da competitividade interna e externa dos produtores do País.
A trajetória de crescimento das exportações mostra, por exemplo, que o volume de maçãs destinadas ao exterior saltou, de 1996 até o ano passado, 34 vezes. Frutas como mamão, melão e uva também registraram aumentos expressivos.

Todavia, as estatísticas impressionam ainda mais quando se compara 2003 a 2008. Segundo a pesquisadora Anita de Souza Dias Gutierrez, coordenadora do Centro de Qualidade em Horticultura da Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo), as vendas de maçã ao exterior aumentaram 45 vezes nesse período. “As de uva também cresceram bastante, quase 30 vezes, atingindo mais de 80 mil toneladas no ano passado”, salienta.

Na avaliação da agrônoma, esses números justificam os investimentos que parte da cadeia produtiva — principalmente aquela com visão empresarial moderna acerca da evolução do agronegócio e da postura de consumidores cada vez mais exigentes — vem fazendo, há alguns anos, em sistemas logísticos eficientes, considerados imprescindíveis ao correto escoamento da produção agrícola brasileira, contemplando, principalmente, packing houses, estruturas destinadas ao beneficiamento, tratamento, armazenagem e empacotamento de alimentos frescos.

“Essas instalações podem pertencer a um ou vários produtores, ou ser de uma associação ou cooperativa, e são destinadas ao processamento e armazenamento adequado de hortifrutícolas, produtos cuja alta perecibilidade, colheita trabalhosa e inexistência ou precariedade de refrigeração enfraquecem o produtor em suas negociações com atacadistas e varejistas”, explica Gutierrez.

Packing Houses
O Grupo Fischer chega a processar três mil toneladas de maçã nas semanas de pico da colheita. A empresa, cujos pomares ocupam 2,9 mil hectares, emprega mais de 1,6 mil funcionários e possui um complexo industrial em Santa Catarina, formado por três unidades, duas em Fraiburgo e outra em Monte Carlo.

Quando as frutas chegam à unidade industrial da empresa, um sistema hidrotérmico retira o seu “calor do campo”, encaminhando-as em seguida às câmaras frias, onde são resfriadas até atingirem a temperatura ideal, podendo ser mantidas em atmosfera controlada ou convencional.

O sistema de refrigeração, segundo o engenheiro mecânico Edson Wilson de Lima, pode funcionar pela evaporação direta da amônia na câmara fria, ou indireta, se for utilizado um fluido térmico pré-resfriado na sala de máquinas, que deve ter potência frigorificada suficiente para atender à demanda nos picos de produção.

“Nas câmaras de atmosfera controlada, a fruta é armazenada sob baixo nível de oxigênio (de 1% a 5%), sendo também monitorados os níveis máximos de gás carbônico e etileno produzidos pela respiração da fruta”, informa.

“Assim, são empregados analisadores de gases para medição dos níveis de O2 e CO2, e adsorvedores de dióxido e carbono e catalisadores de etileno para depuração dos mesmos”, completa o supervisor de Refrigeração da Fischer. “Toda essa operação demanda um sistema automatizado para o controle da temperatura e do funcionamento de ambos os equipamentos”.

Nos packing houses da companhia são executadas, basicamente, duas importantes tarefas. “A primeira é a armazenagem em condições ideais para a conservação do frescor e longevidade, mantendo sob controle as características físicas, como resistência de polpa, acidez e teor de sólidos solúveis, organolépticas — sabor e odor — e a evolução natural de danos”, explica Edson Lima, lembrando que para cada fruta, assim como para cada cultivo da mesma espécie, há indicações diferentes de temperatura e umidade e, no caso das câmaras de atmosfera controlada, também são levados em conta os níveis de O2, CO2 e etileno.

“A segunda tarefa é o acondicionamento das frutas nas embalagens, atendendo aos requisitos da legislação vigente e às exigências dos clientes”, salienta.

Crise e perspectivas
A abundância hídrica, o clima predominantemente tropical e as terras férteis consolidam a vocação natural do Brasil para produzir alimentos em larga escala, com o propósito de abastecer outros mercados mundiais. “Somos privilegiados”, avalia Zsolt Makray, diretor executivo da Viva Equipamentos, fabricante nacional de climatizadores evaporativos Ecobrisa, tecnologia que resfria os ambientes sem molhar.

No entanto, o presidente do Ibraf (Instituto Brasileiro de Frutas), Moacyr Saraiva Fernandes, ressalta que as exportações da fruticultura também são sensíveis às oscilações cambiais. “Seu patamar de equilíbrio definirá o nosso futuro”, afirma. “Isso significa que o aumento da moeda americana acarretará o encarecimento dos custos da produção, podendo influenciar no lucro da comercialização das frutas frescas e seus derivados brasileiros. Outro fator já perceptível é a falta de crédito para financiar o comércio exterior”, acrescenta.

Para a pesquisadora Anita Gutierrez, responsável pelos estudos de classificação e padronização de frutas e hortaliças conduzidos na Ceagesp, a crise que afeta os importadores de frutas e apavora os produtores brasileiros, principalmente os da região Nordeste, tem como ser contornada. “A desesperança é a pior solução, uma vez que países de grandes dimensões geográficas e demográficas como o Brasil podem muito bem depender menos da demanda de outros mercados”, opina. “Um pequeno aumento do consumo interno absorve todo o volume que exportamos”, avalia.

“Se dividirmos os US$ 562 milhões obtidos com as exportações de mamão, manga, melão e uva pelo número de habitantes do país, só precisamos que cada brasileiro gaste mais US$ 2,97 em frutas e hortaliças anualmente para cobrir esse valor, uma meta perfeitamente alcançável”, observa.

Em 2008, apesar da turbulência econômica mundial, o volume de frutas, hortaliças, flores e pescados negociado no Entreposto de São Paulo, maior central de abastecimento de América Latina, subiu 2,6%. “O número parece pequeno, mas levou o mercado paulistano a bater o recorde dos últimos 20 anos, movimentando 3.113.765 toneladas de alimentos”, informa o economista-chefe da companhia, Flávio Luís Godas.

“O Brasil tem um mercado robusto, possui amplas reservas, as contas públicas estão equilibradas e o Copom (Conselho de Política Monetária) está reduzindo a taxa básica de juros da economia. Mesmo assim, o governo federal se antecipou em outubro de 2008, disponibilizando R$ 5 bilhões aos agricultores por meio do Banco do Brasil”, esclarece o presidente da estatal, Rubens Boffino, que também enxerga horizonte positivo para o setor em 2009. “É um excelente momento para atingirmos todas as classes sociais e alavancarmos o consumo de hortifrutícolas, alimentos nutritivos que proporcionam saúde à população”, justifica.

Mas o que aconteceria se as exportações brasileiras fossem direcionadas para o Entreposto de São Paulo da empresa federal? Segundo cálculos da agrônoma Anita Gutierrez, com base em dados de 2007, o volume de frutas comercializado na central atacadista subiria consideravelmente, a exemplo da maçã (66%, indo de 122 mil para 203 mil toneladas), do mamão (26%, indo de 149 mil para 188 mil toneladas), da manga (163%, indo de 73 mil para 192 mil toneladas), do melão (287%, indo de 53 mil para 205 mil toneladas) e da uva (290%, indo de 50 mil para 230 mil toneladas).

Cadeia do Frio
Para esse cenário se tornar realidade, produtores, atacadistas e varejistas teriam de investir em novas tecnologias para plantar, colher, beneficiar e distribuir alimentos. “Não temos problemas com a quantidade de comida, mas sim com a qualidade”, esclarece.

A capacidade física instalada no Entreposto de São Paulo, de pouco mais de 200 câmaras frias, também precisará ser ampliada nos próximos anos, tendo em vista as expectativas de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) nos próximos anos. “Temos poucos tempo para nos adaptarmos”, alerta a responsável pelo órgão de pesquisa da empresa. “O custo da certificação exigida para exportar é muito alto. Por isso, muitos produtores de uva do Nordeste, por exemplo, deverão direcionar sua safra para as centrais de abastecimento do País”, prevê.

Mas escoar grandes quantidades de frutas e hortaliças demanda a adoção de sistemas modernos de climatização em todo setor produtivo, pois, como se sabe, o nível de perecibilidade desses alimentos faz com que os produtores e atacadistas percam seu poder de negociação com clientes em um período muito rápido de tempo.

Portanto, conclui a especialista, os problemas graves relativos à manutenção da cadeia do frio terão de ser equacionados em curto prazo. “A quebra dessa cadeia acelera o processo de maturação dos alimentos e isso é mais grave do que a própria falta de refrigeração”, adverte.

“Precisamos de uma tecnologia que permita o armazenamento de cargas mistas por um curto período de tempo. É fundamental, ainda, o treinamento de camaristas, os profissionais que manejam os estoques e que devem estar habilitados para otimizar as operações envolvendo cargas frigorificadas e saber das peculiaridades de cada mercadoria” aconselha Gutierrez.

Outro problema enfrentado pelos produtores brasileiros de frutas e hortaliças é a precariedade envolvendo o transporte e a logística desses produtos.

De acordo com Silmar Fernandes Santana de Lima, do Núcleo de Gestão de Qualidade da Agrícola Fraiburgo, estruturas como packing houses, por armazenarem a produção por longos períodos, permitem aos empresários planejar cuidadosamente suas estratégias comerciais, mas a cadeia de distribuição ainda é deficiente, principalmente se o País for comparado a seus concorrentes.

“Possuímos uma frota de 1,7 milhão de caminhões, mas apenas 30 mil são frigorificados”, alerta o técnico em agropecuária. “A Espanha, por exemplo, tem 350 mil caminhões, sendo 120 mil climatizados”, compara.

A falta de veículos preparados para atender à demanda de carga refrigerada também é agravada pela deficiente infraestrutura rodoviária do País e a quase inexistência de outros modais.

“Não podemos condenar as transportadoras pela falta de preparo e disponibilidade de caminhões adequados, uma vez que as redes de supermercados e centrais de abastecimento, ou seja, os compradores, normalmente não exigem que o transporte seja realizado em caminhões frigorificados, por encarecer os produtos e reduzir a margem de lucro”, diz Silmar Lima.

Investimentos Urgentes
Para o líder de Controle de Qualidade da Fraiburgo, vale lembrar que o Brasil é um país tropical onde a temperatura média anual é muito superior à de países da Europa e o tratamento dado às frutas, flores e hortaliças vendidas e distribuídas dentro do País deixa a desejar.

Quando se fala em investimentos públicos e estímulo ao capital privado, o governo ainda “engatinha”, considera o técnico da empresa catarinense, pois somente em 2007 foi criada uma legislação para regular o transporte de produtos refrigerados. “Além de esforços financeiros, precisamos de uma mudança cultural radical por parte de todos os envolvidos na cadeia produtiva, começando pelo produtor, passando pelo transportador e comprador, até chegar ao cliente final”, recomenda.

De acordo com a engenheira agrônoma Anita Gutierrez, os ganhos obtidos com investimentos em packing houses serão sentidos de forma mais rápida se o transporte das frutas e hortaliças frescas passar a ocorrer em caminhões adequados, uma vez que a refrigeração é o principal método de conservação desses alimentos durante a armazenagem, movimentação e exposição ao consumidor, principalmente nos países desenvolvidos.

As hortifrutícolas atingem o ponto máximo de sua qualidade no momento da colheita. “Portanto, não dá para melhorá-la depois que a fruta é colhida. É apenas possível preservá-la até um determinado limite”, ensina a pesquisadora, salientando que a adoção efetiva das boas práticas de refrigeração, aliada às de pós-colheita, garantiriam a redução drástica do desperdício e das suas já conhecidas consequências econômicas e socioambientais, que se materializam em prejuízos financeiros, fome e uso desnecessário de recursos naturais.

As perdas pós-colheita ocorrem em todos os elos da comercialização, chegando à mesa do consumidor. “Por isso, o mercado necessita de um sistema de gerenciamento de qualidade que contemple o uso de embalagens adequadas para cada tipo de produto e que possam ser movimentadas em cargas unitizadas sobre pallets, entregas mais rápidas e controle rigoroso da cadeia do frio” conclui Anita Gutierrez.